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terça-feira, 21 de março de 2023

Cidade

A cidade testemunha solitária
meu sorriso

Não há carros, não há movimento

A não ser o olhar verde dos sinais
Permitindo que a minha alegria passe
Perdure

Não há dores, não há tormento

A não ser a luz verde de seu olhar
Impune

Presenteando-me adolescência
Febre
Entranhas, suor

Um beijo
Ao qual jamais serei imune

Pelas ruas da cidade calada
Invento

Um minuto a mais
Quem dera

Levando seu cheiro comigo

Pudera.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Gratidão pelo nosso grande amor

Ontem no banho de imersão que ganhei dela senti muita gratidão. Apesar de o oráculo ter me orientado a buscar essa gratidão, antes mesmo de chegar onde estamos, estava muito difícil pra mim olhar através dessas lentes. Eu senti tristeza, frustração, raiva. Mas não conseguia acessar a gratidão.

Acho que quando um relacionamento intenso - por vezes turbulento - no qual a gente, ainda assim, foi muito feliz, está fragilizado, ou termina, às vezes parece que toda aquela felicidade foi tão pouca. Tão pouca, perto do que ainda poderia ter sido. Tão pouca, perto do amor que ainda é tão grande. Tão pouca, perto de uma vida inteira pela frente. Sem ela.

A gente, quando ainda sente muito amor, quer mais. E mais. E mais. Porque, ao contrário do partilhar da vida, esse amor segue vivo. Ele não morreu. A troca morreu. Ele não. Segue vivo, muito vivo. Segue alimentando ilusões. Ilusões sobre um futuro incerto. Será que ela ainda pensa em mim? Será que ainda existe uma chance pra nós? Será que essa angústia vai passar?

Nosso coração segue sentindo os desejos. Os desejos, sobre os quais ela falava tanto. O desejo e a ausência da sua realização. O desejo e a frustração. O ter muito, e sempre querer mais. É na falta que a vida acontece, ela dizia. A vida é um monte de faltas. E como é difícil sentir gratidão quando tem um rombo no nosso peito. Quando parece que falta uma parte do nosso coração.

Mas ontem, quando aquela água morna aconchegou meu corpo, quando o sal grosso escorreu por entre os meus dedos, derretendo lentamente ao fundo da banheira, quando o aroma de verbena viajou delicadamente pelo ar, e a espuma que, se moldando às minhas mãos distraídas, testemunhou a dor que eu cuidadosamente do meu peito removia, ali, naquele lugar tão calmo, tão bonito, tão meticulosamente arrumado para o meu conforto, eu senti gratidão.

Naquele momento eu existia para receber amor. Eu recebia um amor do passado. E mesmo sabendo que talvez ele não volte mais, mesmo sabendo que agora preciso deixar essa vontade louca de você descer pelo ralo junto com a espuma da banheira, eu senti que valeu a pena. Ter vivido tudo o que vivemos, para agora estar sentindo esse amor retroativo.

Ter me entregado a essa paixão. Insistir nela, lá no começo, quando você desviava o olhar, querendo se distrair de mim. Valeu a pena sair de casa, explorar o mundo, construir um lar com você. Valeu a pena o carnaval. Valeu a pena o surfe. Valeu a pena os bilhetes. Os quadros novos. As conversas profundas. As gargalhadas infinitas. Os sanduíches no meio das nuvens e das estradas vazias. Os girassóis. Valeu a pena sentir a dor. Valeu a pena sentir a esperança. Valeu a pena viver um grande amor com você, meu amor. Eu agradeço.


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Não te amo mais

Não te amo mais.

Sua jaqueta de relance na foto

Já não faz meu coração bater.


Seu rosto entre os das outras pessoas

Já não é o que atrai o meu olhar.


Não te penso mais como antes

Não te desejo na minha cama.


A não ser quando me deito.

A não ser quando fecho os olhos.


Você sorri, como se, depois de tudo, ainda me tivesse

Mas eu preciso que saiba: eu não te amo mais.


Não sinto vontade de ler tuas palavras

Ou te escrever cantadas, te encantar.


Não quero mais sentir teu cheiro

Nem o calor da tua respiração.


Não quero mais rir até doer

Nem dar oi-abraço demorado.


Não quero dormir ao teu lado

Nem subir montanhas contigo.


Não quero pensar nos nossos planos

Nem sei mais o que combinamos.


Eu não te sinto mais.

Não te desejo mais.

Não te quero mais.


A não ser quando me esqueço 

Se me rendo, me distraio

Se amoleço


A não ser quando respiro…

Preciso que saiba:

Que não te amo. Eu não te amo mais.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Armordaçado

Abri de novo os olhos e lá estavam os seus. Me observavam de cima. Tomava meus cabelos pela mão. Firme. Meus movimentos guiados na direção do seu prazer. 

Eu explorava seus cantos sem pressa, oferecendo a sustentação dos meus ossos, a força dos meus músculos e o calor da minha pele. Entregaria minha alma, naquele momento, se assim lhe conviesse. 

Confessei uma submissão contente no meu semblante. Estava diante de uma mulher brutal. “Eu te amo tanto”, sussurrei, sem me dar conta, em pensamento. Olhos ainda fixados. 

Sem desviar, percorri seu corpo, ligando todos os pontos de luz e sombra passíveis de captura por uma lente apurada. O tempo se distraía. Se alguém dissesse que uma nova estação havia chegado, eu acreditaria. 

Quebrei a contemplação. O amanhecer de todas as primaveras encontraram, no meu corpo escasso, espaço para florescer. Violentamente. Encostei meu rosto, pernas e tudo o que pude encontrar de mim nela. 

Inalei sua respiração. Ar, chuva, brasa e chão corriam agora pelas minhas veias. Eu já não me rendia mais. Eu engolia. 

Deixei entrar todos os medos, dores, desejos, angústias, alegrias, espantos e fascínios que haviam me trazido até ali. E quanto mais eu me abria, mais impetuosa a lava. Mais ensandecido o corpo. Mais alta aquela voz calada protestava. 

Não deixei que me tocasse. Naquela noite, havia sido uma janela o canal para todos os córregos que haviam em mim. Naquela noite, magma, solo, sopro e mar escolhiam nascer, morrer e renascer pela fresta de uma mirada. 

Dos seus olhos, colhi a verdade que me inundava. Dos meus olhos, eu deixaria que voasse - encharcado, alucinado, libertado - o gozo desse amor por tanto tempo amordaçado.


segunda-feira, 12 de abril de 2021

Sem mais

Tristeza deixaste
Quando a porta fechaste
Em busca de paz.

Arranca, minha criança

Coragem, minha criança!
Faltam quantos segundos
Pra ver sua vida passar?
As janelas fechar?
Aquele trem não pegar?
A paisagem não ver?
Ao seu lado
Quantos toques não tocados
Beijos não beijados?
Arranca, minha criança,
Aí de dentro a força
De viver sem meias lembranças.



El amor

El amor me ha hecho volar
A creer tanto hasta partir
A atravesar un continente
A conocer toda la gente
A derretirme de compasión

El amor me enseñó a hablar
Me llenó de sabores
Amargos y picantes
De besos
Tan certeros
Como cálidos
Silenciosos y distantes

El amor me ha dado un latir de vida
Y me lo ha quitado
Me ha permitido sonreir
Y a sentir los árboles moviendose
El dolor de no tener salida
De no poder moverme 
Como ellos

Me llevó lejos de quien amaba
Cerca de quien me hizo sangrar
Me puso en una pelicula
A ver el sol ponerse
en silêncio
El más ensordecedor que he oido
Con manos y corazones abrazados
Paradójicamente
Despertando mis miedos más sombrios

El amor me dejó el pecho abierto 
Bajo la luna que me hacia el conteo de las horas
Una cascada a la cual solo yo podría contener
Y en medio de dolor y lagrimas
El amor me regaló también coraje
Para veer cosas lindas
Probar cosas ricas
Y por fin volver a mi misma

En un avión
Para morir con esta historia
Arrancar del pecho los gritos
Escuchar finalmente a mis instintos
Dejarle sole
Cómo debió haber sido
Desde el principio
Y de ahí lentamente renacer. 



Fusão

Te olhei. Deitada, você sorria pra mim. Me observava, curiosa. Um pouco nervosa. Com vontade. Te beijei devagar. Molhei teus lábios, senti sua saliva. Na sua boca, o cais do mar onde eu iria mergulhar. Deslizei meus dedos pelo teu corpo, ergui sua blusa. Senti a delicadeza quente do seu ventre. A maciez que convidava minhas mãos. Segui. Te envolvi nos braços, beijando a boca. Tirei a blusa, seu sutiã. Você riu da minha habilidade. O universo ali se fez, entre o seu sorriso e o meu. Contemplei seu corpo, com fome. Beijei seus seios, lentamente. Me perdi neles. Não queria mais sair. Mais de você havia. Minha mão procurou suas pernas. Tirei sua calça, meus olhos presos nos seus, nossos sorrisos bobos. De quem relembra um passado inexistente. De quem quer que o tempo pare; que essa noite nunca acabe. Voltei pra perto, senti saudade. Inspirei o almíscar com tangerina do seu pescoço, estudei seu corpo com meu tato. Tirei minha roupa. Nua, vi sua mão acariciar meus seios. Senti você me descobrindo. Tocando uma mulher, pela primeira vez. Eu queria tanto você. Sentir você. Inspirei seu cheiro mais uma vez. Te beijei mais uma vez. Senti o compasso da sua respiração aumentar. Seu sexo pulsar sob a renda branca e o peso do meu corpo. Queria acariciar e arrancar com os dentes. Deslizei meus dedos entre as suas pernas. Você deixou. Me aproximei da sua boca. Queria ouvir você. Falar com você. Compartilhar com você o momento em que me molhava. Senti seu corpo se contorcer. Pedi passagem, devagar. Senti seus braços me segurarem forte. Meu rosto puxado contra o seu. Sussurrei de prazer, baixinho. Você me ouviu. Gemeu comigo. Pediu mais, sem dizer nada. Fui mais fundo, explorando-te por dentro. Te olhei nos olhos. Era você ali. Sorrimos. Beijei sua boca, desci com a minha. Procurei as curvas do seu corpo com meus lábios, senti todas elas com meus dentes, esquentei com a minha língua. Você estava tão linda. Tão entregue. Tão minha. Meu coração batia forte, o suor caía. Parei no seu quadril. Me demorei, deixei que ele guiasse meu rosto até onde estavam meus dedos. Beijei você onde havia pele, lentamente, sem pressa. Memorizei cada centímetro seu. E enfim senti minha boca esquentar, minha língua tocar o que de mais delicado havia em você. Que sentiu, inspirou forte, segurou meus cabelos. Te beijei com todo o amor do mundo. Não havia outro lugar onde eu quisesse estar. Interpretei seus movimentos, dancei com você. Senti seu tesão, me fundi com ele. Você pressionava seu corpo contra mim, pedia mais. Te dei. Mais. Mais. Mais. Te dei tudo. E você devolveu. Com sua voz baixinha, que explodiu. Naufraguei em sua represa devassada. Ébria do seu prazer. Que é o meu prazer. Até a calmaria silenciosa dos nossos corpos nus. Enfim tornados um.



domingo, 3 de maio de 2020

Fé no verso

Quando for viver um grande amor
Não esquece da oração do poetinha
Pede seriedade e pouco riso
A coragem cega do coração que pulsa
Mergulha fundo no oceano desconhecido.

Caso o mar vire e venha o temporal
Pede de novo a bênção da rima
Varre dos olhos dela o cinza
Lembra que o amor pede peito,
Peito de remador.

E se no fim, em meio às preces, te pegar sozinha
Segue em paz, ainda assim, na selva escura e desvairada
Que no silêncio do lugar que te aconchega
Se fé nos versos aí dentro ainda restar
A vida chega e te sussurra um pouco mais.



segunda-feira, 27 de abril de 2020

Londres

Catando os cantos que teus lábios cantam
Senti na pele a mesma grama me beijar
Ouvi o vento me soprar acordes
Despi meus pés num sapato só.

Desbravo essa cidade que foi tua
Como se explora o corpo
De alguém que já foi triste
Com reverência, doçura e sede.

Nuns dias ela se entrega a mim
Noutros volta pra você
Quando então lhe reparo, de longe,
Privada dos teus olhos, feito eu.

Entre a gente
Dias vívidos vêm e vão
Meu diamante
Só a saudade tua é que não.