"Nem sempre os meus olhos contemplam aquilo que desejam ver, o que lhes apraz o coração, a contemplação traz a dor nua e crua, sem fuga para o êxtase. Êxito? Será esse o perdão? Ver-se a si mesmo naquilo que pensamos que não somos?"
Bela-fera, fera-bela; a miséria pode provocar nobres sentimentos, fazer o belo se sentir feio.
Um encontro decisivo; a bela moça rica e acomodada, provocada pela imagem do mendigo desdentado, questiona a própria existência e é acometida por forte compaixão - a palavra já diz: com paixão - para uma outra realidade possível: "... Não. O mundo não sussurrava. O mundo gri-ta-va!!!!
Pela boca desdentada desse homem...", ou ainda: "Como é que eu nunca descobri que também sou uma mendiga? Nunca pedi esmola mas mendigo o amor de meu marido que tem duas amantes, mendigo pelo amor de Deus que me achem bonita, alegre e aceitável, e minha roupa de alma está maltrapilha..."
Ela que sempre tivera as coisas facilmente à mão, apesar de não ter seguido seu chamado na vida, que era cantar, ou qualquer coisa que o valha, tinha a sorte de nascer rica e não passar dificuldades como a fome... mas sua riqueza não a dignificava e ela sentia fome de viver.
Ela e o mendigo estavam zerados; aos dois faltavam oportunidade, perspectiva e fé.
Afinal, como diz o final do poema:
Não teremos nunca escolha diante do crucial, da crueza da vida
Somos o que somos
Adormecidos ou acordados
plenos ou aturdidos
Dispersos ou abraçados"
Clarice Lispector
Adormecidos ou acordados
plenos ou aturdidos
Dispersos ou abraçados"
Clarice Lispector
O que eu não quero dessa vida é passar fome de vida.