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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Relicário

É uma índia com colar
A tarde linda que não quer se pôr
Dançam as ilhas sobre o mar
Sua cartilha tem o A de que cor?

O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou

E são dois cílios em pleno ar
Atrás do filho vem o pai e o avô
Como um gatilho sem disparar
Você invade mais um lugar
Onde eu não vou

O que você está fazendo?
Milhões de vasos sem nenhuma flor
O que você está fazendo?
Um relicário imenso deste amor

Corre a lua porque longe vai?
Sobe o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por esta noite

Porque está amanhecendo?
Peço o contrario, ver o sol se por
Porque está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios quando você se for

Quem nesse mundo faz o que há durar
Pura semente dura: o futuro amor
Eu sou a chuva pra você secar
Pelo zunido das suas asas você me falou

O que você está dizendo?
Milhões de frases sem nenhuma cor...
O que você está dizendo?
Um relicário imenso deste amor

O que você está dizendo?
O que você está fazendo?
Por que que está fazendo assim?

Nando Reis

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Pra Mais Ninguém - Marisa Monte

Entre nós deve haver sinceridade
Eu não sei o que é que você tem
Que não me beija nem me procura
Eu tenho medo de perder alguém
De quem espero que aquela jura
Não tenha ido para mais ninguém

O silêncio é uma tortura
Alguma coisa se perdeu
Você já não me olha como antes com ternura
Só falta me dizer adeus

Paulinho da Viola

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Amor Romântico

Puta verdade...

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

Fernando Pessoa

Soneto do Amor Total

Esse também era repertório do meu saudoso caderno... quem escreveu ele lá, lembro bem!, foi a Sheila! Quando eu lia esse soneto, lá, novinha, me encantava especialmente o último verso. Bom proveito!

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Toda vez

E toda vez que ela se aproxima
Seja com afinco, silenciosa ou sutil
Da surpresa tardia, de coração rico, de fala viva
Dentro de mim a alma vira toda brio
E nem a poesia, invariável companhia minha
Dá conta de secar tanto rio, tanto frio, tanto vazio
Que é falta da presença dela, virada em falta de sorriso meu.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Meu Deus, me dê a coragem

Forte, inteligente, firme... ímpar. Clarice é a mulher que revira o universo do avesso e tira o mais real dele para que a gente simplesmente desfrute.

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Amor

Já que o pessoal gostou de Vinicius, aí vai mais um... Não há como se cansar de Vinicius. Quem se cansa de Vinicius se cansou do coração.

Vamos brincar, amor? vamos jogar peteca
Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo
Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?
Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos
Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo
Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto
Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
Fingir que hoje é domingo, vamos ver
O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de Sevignée
Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar
Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto?
Vamos, amor? vamos nos persuadir imensamente dos acontecimentos
Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol
Vamos, amor?
Porque excessivamente grave é a Vida.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria

E lúbrica aos meus braços, e nos seios

Me arrebata e me beija e balbucia

Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia

Que se ri dos meus pálidos receios

A única entre todas a quem dei

Os carinhos que a nenhuma outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama

A miséria e a grandeza de quem ama

E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é o mundo! - uma cadela talvez

Mas na moldura de uma cama

Nunca mulher nenhuma foi tão bela.

Vinicius de Moraes

O tempo da leveza

E chega o tempo em que a presença do outro é apenas uma questão de capricho. E que ter o seu amor é nada mais que vaidade.
Chega o tempo, tão anunciado, em que um poema da Clarice sobre a saudade já não é mais sentido fisicamente. Que é mais fácil ser poeta, é mais fácil ser romântico, é mais fácil ouvir as músicas do Chico Buarque.
Sim, chega um tempo em que o pensamento não tem apenas um protagonista, fixo; tempo em que cada sensação é relacionada a um personagem diferente. Cada frase de amor procura um rosto.
E quando esse tempo chega, a alma pode até se confundir, mas o coração agradece.
O amor pesa, e só quem já amou muito tem a balança que permite compreender a gratidão do coração.