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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1935
Tem coisa mais linda, mais sensível, mais incansável, mais real, mais profunda, mais bela, mais intensa, que a poesia de Vinicius?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

É depressivo

Viver da nostalgia do que acha que foi no passado.

E também é depressivo perceber que se está usando expressões feias como "é depressivo".

E ter o desplante de expressar suas ideias mesmo sendo elas desnecessárias, é depressivo.

Auto-crítica (ou baixa auto-estima) publicada é depressivo também.

Onde?

Onde está minha alma esparsa?
Onde está minha flor-de-lis?
Onde andam os meus conterrâneos,
aqueles que outrora não reconheci?

Dentro de mim era tudo escuro
Os galhos dos meus tropeços gris
A vida me falava ao ouvido
e eu teimosa não queria ouvir

Onde está meu coração tão nobre?
Onde estão meus amores pueris?
Dentro de mim hoje tudo é passado

Dentro de mim a vida não mais canta.
Minhas poesias hoje são mais simples
Meu coração hoje não mais encanta.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Uma aprendizagem

Eles pareciam saber que o amor era grande demais e quando um não podia viver sem o outro, esse amor não era mais aplicável: nem a pessoa amada tinha a capacidade de receber tanto. Lóri estava perplexa que mesmo no amor tinha-se que ter bom senso e senso de medida. Por um instante, como se tivessem combinado, ele beijou sua mão, humanizando-se. Pois havia o perigo de, por assim dizer, morrer de amor.

Clarice Lispector - Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres