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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Close as two pages

O post de hoje, influenciado pelo filme Flores Raras - que assisti ontem e mais do que recomendo, vai com duas poesias incríveis: uma que a poetisa Elizabeth Bishop, interpretada por Miranda Otto, recita no filme, e a outra que encontrei e que parece complementar a anterior:

"Close close all night
the lovers keep.
They turn together
in their sleep,

close as two pages
in a book
that read each other
in the dark.


Each knows all
the other knows,
learned by heart
from head to toes."

______________________________________

"It is marvellous to wake up together
At the same minute; marvellous to hear
The rain begin suddenly all over the roof,
To feel the air suddenly clear
As if electricity had passed through it
From a black mesh of wires in the sky.
All over the roof the rain hisses,
And below, the light falling of kisses.

An electrical storm is coming or moving away;
It is the prickling air that wakes us up.
If lightning struck the house now, it would run
From the four blue china balls on top
Down the roof and down the rods all around us,
And we imagine dreamily
How the whole house caught in a bird-cage of lightning
Would be quite delightful rather than frightening;

And from the same simplified point of view
Of night and lying flat on one's back
All things might change equally easily,
Since always to warn us there must be these black
Electrical wires dangling. Without surprise
The world might change to something quite different,
As the air changes or the lightning comes without our blinking,
Changes as our kisses are changing without our thinking."

Elizabeth Bishop

Aqui um pouco sobre a vida dela e do Brasil nos anos dourados: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-35/correspondencia/o-brasil-e-mesmo-um-horror

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Onde Deus possa me ouvir





Sabe o que eu queria agora, meu bem...?
Sair chegar lá fora e encontrar alguém
Que não me dissesse nada
Não me perguntasse nada também
Que me oferecesse um colo ou um ombro
Onde eu desaguasse todo desengano
Mas a vida anda louca
As pessoas andam tristes
Meus amigos são amigos de ninguém.
Sabe o que eu mais quero agora, meu amor?
Morar no interior do meu interior
Pra entender porque se agridem
Se empurram pro abismo
Se debatem, se combatem sem saber
Meu amor...
Deixa eu chorar até cansar
Me leve pra qualquer lugar
Aonde Deus possa me ouvir
Minha dor...
Eu não consigo compreender
Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui pode sair.
Adeus...

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Para viver um grande amor

Beleza pura.

"Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... - não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fieldade - para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs - comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica, e gostosa, farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente - e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia - para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada - para viver um grande amor."

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Preciso de alguém

Beijar o próprio ombro e sentir os olhos marejados sem nem mesmo saber poque. Mas qualquer palavra minha aqui vai diminuir um segundo de atenção às dele, que nos brindou com a melhor definição que já li para a sede de viver um grande amor. Me retiro, então.

"Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das mãos de carícias não dadas. 
      Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da conha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão.
      No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do deserto - preciso de alguém para dividir comigo esta sede. Para olhar seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes nem azuis e dizer assim: que longa e áspera sede, meu amor. Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um Caminho. Esse, simples mas proibido agora: o de tocar no outro. Querer um futuro só porque você estará lá, meu amor. O caminho de encontrar num outro humano o mais humilde de nós. Então direi da boca luminosa de ilusão: te amo tanto. E te beijarei fundo molhado, em puro engano de instantes enganosos transitórios - que importa?
      Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias, responsáveis. Engano, mistifico. Disfarço esta sede de ti, meu amor que nunca veio - viria? virá? - e minto não, já não preciso.)
      Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço.
      Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."
Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O mundo é um moinho

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as suas ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés. 

Cartola 

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Cântico Negro

Auto explicativo. Só exige (e merece) uma atenção especial para cada palavra.

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

Veja a poesia de outra forma: http://youtu.be/z_lo9GBOIsY