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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Armordaçado

Abri de novo os olhos e lá estavam os seus. Me observavam de cima. Tomava meus cabelos pela mão. Firme. Meus movimentos guiados na direção do seu prazer. 

Eu explorava seus cantos sem pressa, oferecendo a sustentação dos meus ossos, a força dos meus músculos e o calor da minha pele. Entregaria minha alma, naquele momento, se assim lhe conviesse. 

Confessei uma submissão contente no meu semblante. Estava diante de uma mulher brutal. “Eu te amo tanto”, sussurrei, sem me dar conta, em pensamento. Olhos ainda fixados. 

Sem desviar, percorri seu corpo, ligando todos os pontos de luz e sombra passíveis de captura por uma lente apurada. O tempo se distraía. Se alguém dissesse que uma nova estação havia chegado, eu acreditaria. 

Quebrei a contemplação. O amanhecer de todas as primaveras encontraram, no meu corpo escasso, espaço para florescer. Violentamente. Encostei meu rosto, pernas e tudo o que pude encontrar de mim nela. 

Inalei sua respiração. Ar, chuva, brasa e chão corriam agora pelas minhas veias. Eu já não me rendia mais. Eu engolia. 

Deixei entrar todos os medos, dores, desejos, angústias, alegrias, espantos e fascínios que haviam me trazido até ali. E quanto mais eu me abria, mais impetuosa a lava. Mais ensandecido o corpo. Mais alta aquela voz calada protestava. 

Não deixei que me tocasse. Naquela noite, havia sido uma janela o canal para todos os córregos que haviam em mim. Naquela noite, magma, solo, sopro e mar escolhiam nascer, morrer e renascer pela fresta de uma mirada. 

Dos seus olhos, colhi a verdade que me inundava. Dos meus olhos, eu deixaria que voasse - encharcado, alucinado, libertado - o gozo desse amor por tanto tempo amordaçado.