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quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Gratidão pelo nosso grande amor

Ontem no banho de imersão que ganhei dela senti muita gratidão. Apesar de o oráculo ter me orientado a buscar essa gratidão, antes mesmo de chegar onde estamos, estava muito difícil pra mim olhar através dessas lentes. Eu senti tristeza, frustração, raiva. Mas não conseguia acessar a gratidão.

Acho que quando um relacionamento intenso - por vezes turbulento - no qual a gente, ainda assim, foi muito feliz, está fragilizado, ou termina, às vezes parece que toda aquela felicidade foi tão pouca. Tão pouca, perto do que ainda poderia ter sido. Tão pouca, perto do amor que ainda é tão grande. Tão pouca, perto de uma vida inteira pela frente. Sem ela.

A gente, quando ainda sente muito amor, quer mais. E mais. E mais. Porque, ao contrário do partilhar da vida, esse amor segue vivo. Ele não morreu. A troca morreu. Ele não. Segue vivo, muito vivo. Segue alimentando ilusões. Ilusões sobre um futuro incerto. Será que ela ainda pensa em mim? Será que ainda existe uma chance pra nós? Será que essa angústia vai passar?

Nosso coração segue sentindo os desejos. Os desejos, sobre os quais ela falava tanto. O desejo e a ausência da sua realização. O desejo e a frustração. O ter muito, e sempre querer mais. É na falta que a vida acontece, ela dizia. A vida é um monte de faltas. E como é difícil sentir gratidão quando tem um rombo no nosso peito. Quando parece que falta uma parte do nosso coração.

Mas ontem, quando aquela água morna aconchegou meu corpo, quando o sal grosso escorreu por entre os meus dedos, derretendo lentamente ao fundo da banheira, quando o aroma de verbena viajou delicadamente pelo ar, e a espuma que, se moldando às minhas mãos distraídas, testemunhou a dor que eu cuidadosamente do meu peito removia, ali, naquele lugar tão calmo, tão bonito, tão meticulosamente arrumado para o meu conforto, eu senti gratidão.

Naquele momento eu existia para receber amor. Eu recebia um amor do passado. E mesmo sabendo que talvez ele não volte mais, mesmo sabendo que agora preciso deixar essa vontade louca de você descer pelo ralo junto com a espuma da banheira, eu senti que valeu a pena. Ter vivido tudo o que vivemos, para agora estar sentindo esse amor retroativo.

Ter me entregado a essa paixão. Insistir nela, lá no começo, quando você desviava o olhar, querendo se distrair de mim. Valeu a pena sair de casa, explorar o mundo, construir um lar com você. Valeu a pena o carnaval. Valeu a pena o surfe. Valeu a pena os bilhetes. Os quadros novos. As conversas profundas. As gargalhadas infinitas. Os sanduíches no meio das nuvens e das estradas vazias. Os girassóis. Valeu a pena sentir a dor. Valeu a pena sentir a esperança. Valeu a pena viver um grande amor com você, meu amor. Eu agradeço.


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Não te amo mais

Não te amo mais.

Sua jaqueta de relance na foto

Já não faz meu coração bater.


Seu rosto entre os das outras pessoas

Já não é o que atrai o meu olhar.


Não te penso mais como antes

Não te desejo na minha cama.


A não ser quando me deito.

A não ser quando fecho os olhos.


Você sorri, como se, depois de tudo, ainda me tivesse

Mas eu preciso que saiba: eu não te amo mais.


Não sinto vontade de ler tuas palavras

Ou te escrever cantadas, te encantar.


Não quero mais sentir teu cheiro

Nem o calor da tua respiração.


Não quero mais rir até doer

Nem dar oi-abraço demorado.


Não quero dormir ao teu lado

Nem subir montanhas contigo.


Não quero pensar nos nossos planos

Nem sei mais o que combinamos.


Eu não te sinto mais.

Não te desejo mais.

Não te quero mais.


A não ser quando me esqueço 

Se me rendo, me distraio

Se amoleço


A não ser quando respiro…

Preciso que saiba:

Que não te amo. Eu não te amo mais.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Armordaçado

Abri de novo os olhos e lá estavam os seus. Me observavam de cima. Tomava meus cabelos pela mão. Firme. Meus movimentos guiados na direção do seu prazer. 

Eu explorava seus cantos sem pressa, oferecendo a sustentação dos meus ossos, a força dos meus músculos e o calor da minha pele. Entregaria minha alma, naquele momento, se assim lhe conviesse. 

Confessei uma submissão contente no meu semblante. Estava diante de uma mulher brutal. “Eu te amo tanto”, sussurrei, sem me dar conta, em pensamento. Olhos ainda fixados. 

Sem desviar, percorri seu corpo, ligando todos os pontos de luz e sombra passíveis de captura por uma lente apurada. O tempo se distraía. Se alguém dissesse que uma nova estação havia chegado, eu acreditaria. 

Quebrei a contemplação. O amanhecer de todas as primaveras encontraram, no meu corpo escasso, espaço para florescer. Violentamente. Encostei meu rosto, pernas e tudo o que pude encontrar de mim nela. 

Inalei sua respiração. Ar, chuva, brasa e chão corriam agora pelas minhas veias. Eu já não me rendia mais. Eu engolia. 

Deixei entrar todos os medos, dores, desejos, angústias, alegrias, espantos e fascínios que haviam me trazido até ali. E quanto mais eu me abria, mais impetuosa a lava. Mais ensandecido o corpo. Mais alta aquela voz calada protestava. 

Não deixei que me tocasse. Naquela noite, havia sido uma janela o canal para todos os córregos que haviam em mim. Naquela noite, magma, solo, sopro e mar escolhiam nascer, morrer e renascer pela fresta de uma mirada. 

Dos seus olhos, colhi a verdade que me inundava. Dos meus olhos, eu deixaria que voasse - encharcado, alucinado, libertado - o gozo desse amor por tanto tempo amordaçado.