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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ausência - Vinicius de Moraes

O entendimento de um escrito se dá pelo que se está vivendo, lendo, fazendo, sentindo. Às vezes a explicação de alguém também nos ajuda a compreender o que o autor quis dizer. Mas não é só para que saibamos o que se passava na cabeça do poeta que a poesia é feita. 
A poesia também nos ajuda a explorar nossos próprios sentimentos, os inatingíveis pelas nossas pobres palavras e pensamentos, sentimentos penumbrados dentro de nós, pois estes, quando conseguem ser traduzidos em palavras que tocam - e palavras são fáceis de achar; achá-las e anexá-las criando uma cadência musical, de forma que nos toque, isso é difícil; para tanto é imprescindível a maestria do verdadeiro poeta -, nos fazem sentir vivos. 
Por várias vezes li o poema "Ausência" do Vinicius, este que publico hoje, mas poucas vezes consegui entendê-lo como ontem à noite, às 3 da madrugada, ao som de um violão, quando conversava com um amigo segurando a Nova Antologia Poética do mestre. O ângulo que ele me abriu foi que o poeta viveu, amou muito, mas não foi compreendido. E perdeu a amada, talvez não por ter errado, mas por não ter tido a habilidade de amá-la como ela gostaria de ser amada.
Segue:

"Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces 
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada."

Vinicius de Moraes


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