- Ah, como eu amo ser livre.
Comemorei, sozinha, abrindo uma garrafa de vinho e catando a primeira porcaria que vi pela frente.
Lembrei dos "por que não?" repetia durante a infância e a adolescência. A angústia de querer desbravar o mundo e não poder.
- A liberdade é mesmo uma bênção.
Liberdade: nível de independência absoluto e legal de um indivíduo, de uma cultura, povo ou nação.
Eu me considero livre. Caminho pelas ruas, trabalho, abro meu vinho, como minha porcaria, saio, converso, faço compras, viajo. Sou autorizada a viver.
Posso raspar meu cabelo, se quiser? Posso, desde que arque com a consequência de ser taxada.
Posso decidir não depilar? Posso, desde que arque com a consequência de não ser desejada.
Posso usar uma saia curta e ir a um ambiente predominantemente masculino? Posso, desde que arque com a consequência de ser abusada.
É. Talvez eu seja livre, até onde outro ser humano me deixar.
Posso me formar, se quiser? Posso, ainda que não passe em uma universidade pública.
Posso trabalhar, se quiser? Posso, e me alegra. Não foi minha obrigação desde criança.
Posso não ter filhos, se quiser? Sim. E também os posso ter, se assim entender. Sem medo de entrar no SUS e, sem minha autorização, sair estéril.
É. Talvez eu seja livre, muito mais do que outras mulheres.
Posso ir a uma entrevista de emprego sem que passe pela minha cabeça que seria melhor alisar meus cabelos? Posso.
Posso entrar em um supermercado sem ser seguida pelos olhos de seguranças desconfiados? Também.
Posso sair com a minha família para um chá de bebê sem ser fuzilada com 80 tiros por engano?
A liberdade não é uma bênção. Nem um merecimento. A liberdade é o pouco ou muito que se conquistou ou sempre se teve ao longo o tempo, a depender de quem é você na sociedade.
Quantos anos tem cada um de nós perante esse poder? Até onde vai a liberdade de cada ser humano? Até onde, a cada um de nós, é permitido viver? O que vamos fazer com isso?
Que Bakunin esteja certo, para que, quanto mais profunda e maior a dor dos que nos rodeiam, tanto maior seja a nossa.
Porque "ser livre não é apenas se livrar das correntes que lhe prendem, mas viver sendo capaz de respeitar e engrandecer a liberdade dos outros."
Aqui tem de tudo. Eco e tino. Sangue e prazer. Amor e fúria. Devaneio e feminismo. Aqui eu abro meu coração sem pretensão. Encho essas páginas para libertar minha mente.
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terça-feira, 9 de abril de 2019
quarta-feira, 3 de abril de 2019
Te amar
Menina, não congele diante de mim
Me dá teu sorriso, tua calma
Respira
Pra eu sentir o cheiro dos teus pulmões
Brotar uma árvore em meu tronco
Te morder os lábios
Te dar minhas lágrimas
Escondê-las de ti
Te amar.
Menina, não se culpe tanto
Me dá tua distância, tua calma
Te livra
Pra eu sentir que você está tranquila
Botar um manto em meu sentimento
Te deixar leve
Te dar meu respeito
Esconder-me de ti
Te amar.
Menina, não ligue a saudade
Eu to no futuro, tua calma falta
Acredita
Pra eu sentir de novo o ar da vida
Montar acampamento em sua casa
Te olhar nos olhos
Te dar meu presente
Entregar-me a ti (finalmente)
Te amar.
Me dá teu sorriso, tua calma
Respira
Pra eu sentir o cheiro dos teus pulmões
Brotar uma árvore em meu tronco
Te morder os lábios
Te dar minhas lágrimas
Escondê-las de ti
Te amar.
Menina, não se culpe tanto
Me dá tua distância, tua calma
Te livra
Pra eu sentir que você está tranquila
Botar um manto em meu sentimento
Te deixar leve
Te dar meu respeito
Esconder-me de ti
Te amar.
Menina, não ligue a saudade
Eu to no futuro, tua calma falta
Acredita
Pra eu sentir de novo o ar da vida
Montar acampamento em sua casa
Te olhar nos olhos
Te dar meu presente
Entregar-me a ti (finalmente)
Te amar.
Falta
O que no peito sobressalta a poesia
É o fio de vida do olhar de quem se ama
Que, ao ser regado pela angústia da partida,
Transborda aos dedos e em caneta vira chama.
Arde e precipita a vertigem do precipício
cansa, a distância, o não alcance, a noite insone.
Não há migalhas, olhares de um segundo
É a poesia que reanima o banido.
Se também o prende, que assim seja,
Seu olhar me atira ao chão, me mata e
se nas páginas não lidas confino meu amor,
também são elas a acolher a transcendência
que em carne nos meus braços - paraíso - vira dor.
É o fio de vida do olhar de quem se ama
Que, ao ser regado pela angústia da partida,
Transborda aos dedos e em caneta vira chama.
Arde e precipita a vertigem do precipício
cansa, a distância, o não alcance, a noite insone.
Não há migalhas, olhares de um segundo
Que matem de um mundo inteiro a fome.
É a poesia que reanima o banido.
Se também o prende, que assim seja,
Seu olhar me atira ao chão, me mata e
se nas páginas não lidas confino meu amor,
também são elas a acolher a transcendência
que em carne nos meus braços - paraíso - vira dor.
sexta-feira, 29 de junho de 2018
Cortejo sob a lua
Na beleza devassa da tua pele clara
Se entrega meu olhar
Ardido em chamas a escoltar curvas
Profanas.
Profanas.
Esquecido no embaraço dos lençóis
Afagados pela lua acinzentada
Que atormenta impetuosa a madrugada
E esquenta nosso amor antigo.
Para relembrar, na crista do momento
Esse encontro de almas pueril.
Para germinar, em toda intempérie
Um novo aprendizado.
Esse encontro de almas pueril.
Para germinar, em toda intempérie
Um novo aprendizado.
E serenar por fim o ardor carmim
Trazer de volta ao peito a paz
De estar em seus braços e sonhar
Sem fim.
Trazer de volta ao peito a paz
De estar em seus braços e sonhar
Sem fim.
quinta-feira, 29 de março de 2018
Poesia
A poesia é viva.
Uma segunda que amanhece cinza
Inerte e fraca, presa ao pé cama
Que emerge forte ao entardecer em chamas.
A poesia muda.
Expressão jovem na idade adulta
Necessidade de encostar os dedos
Distância quieta cheia de segredos.
Há nas palavras uma fase breve
Intermitente, lúcida, eloquente
Escancarando a vida do presente.
Porém no tempo, quando elas se perdem
Lembrando a existência antes recorrente
São só saudade no meu peito sucumbente.
Uma segunda que amanhece cinza
Inerte e fraca, presa ao pé cama
Que emerge forte ao entardecer em chamas.
A poesia muda.
Expressão jovem na idade adulta
Necessidade de encostar os dedos
Distância quieta cheia de segredos.
Há nas palavras uma fase breve
Intermitente, lúcida, eloquente
Escancarando a vida do presente.
Porém no tempo, quando elas se perdem
Lembrando a existência antes recorrente
São só saudade no meu peito sucumbente.
Empatia
Hoje eu gostaria de trocar uma ideia com meus companheiros brancos. Aqueles que compartilham das mesmas origens que eu. Que lembram das histórias contadas por seus avós, das músicas que cantavam enquanto faziam a travessia nos navios, trazidos ao Brasil por um sentimento comum a tantos povos que aqui chegaram: a esperança.
Tantos, menos os africanos. Eles também embarcaram em navios e vieram ao Brasil. O sentimento, porém, não era de esperança, era de medo. Haviam sido vendidos para brancos donos de terras. Não eram mais seres humanos, tinham virado mercadorias. Por que começaram a ser tratados assim? O que tinham feito? Nada. Um pouco de melanina a mais, talvez, era o que os diferenciava. As histórias que os avós dos descendentes desses povos compartilharam com seus netos não foram bonitas e inspiradoras, mas de terror. Eles não queriam vir para cá, mas não tiveram escolha. Mercadorias não têm vontade própria. Por muitas vezes, nas longas travessias oceânicas, recusaram comida. Preferiam morrer de fome a enfrentar o que viria pela frente. Mas não havia essa opção. Eram obrigados também a isso. Como? Por meio de paus que empurravam o alimento garganta abaixo. Foi daí que surgiu a expressão "a dar com pau". Conhece?
Mas voltando a história dos nossos ancestrais. Muitos deles vieram para cá pois ouviram falar que o governo brasileiro estava distribuindo terras para quem tivesse interesse em desbravar regiões ainda inabitadas. Soma-se a isso o fato de muitos estarem fugindo da guerra. Esperança! E lá se foram, aqueles corajosos! Derrubaram árvores, foram picados por cobras, ficaram longe de suas famílias, conheceram a pobreza, a fome e a exaustão de um trabalho pesado e infindável. Foram semanas inteiras e fins de semana trabalhando debaixo de sol, e aos poucos conseguiam ir juntando uns trocadinhos para garantir o futuro dos filhos.
Essa historinha se assemelha um pouco à dos nossos irmãos africanos. Eles também derrubaram árvores, foram picados por cobras, ficaram longe de suas famílias, conheceram a pobreza, a fome e a exaustão de um trabalho pesado e infindável. Porém, se estivessem cansados e se recusassem a fazê-lo, apanhavam. Também emendaram fins de semana trabalhando. Sob cortes de chibatadas. Sob tortura. Com algemas e correntes. Amarrados a tronco. Aliás, sempre houve muita criatividade no desenvolvimento das armas dos senhores - brancos - para castigar e manter o controle sobre suas "mercadorias": cepo, vira-mundo, gargalheira, máscara. Pesquise esses nomes, você vai se surpreender. Se tiver coração é possível que chore. Muitos (mas MUITOS) morreram nesse processo, é claro. E também é evidente que ninguém se importava. O prejuízo seria do branco que pagou pela "mercadoria". Os que sobreviviam tinham que conviver com a humilhação de, após terem finalizado o trabalho debaixo de porrada, ouvirem que foi um serviço ruim. Ou, nos dias de hoje, "serviço de preto". Familiar? Se não conhece essa, talvez conheça a expressão "dia de branco", ou "dia de quem efetivamente trabalha".
Após várias gerações de luta, enfim, nós brancos conseguimos - não sem muito trabalho árduo e honesto - triunfar. Conquistamos o respeito de nossas comunidades, com quem compartilhamos nosso sucesso, com quem colaboramos e concordamos, pois nos protegemos, nos apoiamos, nos elegemos para cargos públicos que garantam a manutenção dos direitos que conquistamos. Somos respeitados em nossa igreja, onde vamos uma vez por semana para agradecer as bênçãos que recebemos. Nossos filhos estudam. Se forem desprovidos de inteligência, damos a melhor educação básica, fundamental e pré-vestibular: pegamos as vagas de educação superior gratuita. Se ainda assim não der, arrumamos um contatinho legal, pagamos pela vaga da faculdade. Se não for o caso, temos empresas e terras, podem ser patrões lá. Se não der também, podem pegar nosso dinheiro e abrir seus negócios. Vai ganhar dinheiro, filho, vai ganhar o mundo. Vai fazer intercâmbio, vai viajar, vai mostrar como você é bem apessoado e esperto pro meu amigo te contratar. Vai casar com uma pessoa da mesma religião e ascendência que a nossa. E, de preferência, de mesma classe social. Não vá se envolver com esse povo "pé na cozinha". Não fosse a doméstica - que de branca não tem nada - nos roubar e não limpar nossa casa direito, tudo estaria perfeito.
E no meio de toda essa alegria, nossas mulheres às vezes dizem, brincando: "não sou tuas nega!". Já ouviram? Pois é. Que sorte a delas. Porque "as nega" só eram chamadas assim por serem propriedade - de papel passado, como já mencionado - de homem branco. Usadas para satisfazer desejos sexuais. Estupradas. Quando eles bem entendessem. Mas só serviam para isso. Afinal, tinham "cabelo ruim", eram pretas, imagem "deNEGRIDA". Nunca, jamais, esses homens cogitariam se casar com elas. Chega a ser engraçado imaginar isso. A negra era "o pecado". Sua cor, a "cor do pecado", como repetimos até hoje. Vontade própria? Oi? MAS, finalmente, depois de TREZENTOS anos (não, não é força de expressão) de genocídio e barbárie, que quase ninguém se preocupou em registrar, e por isso pouco aparece nos livros de história, veio a alforria.
Calma, pausa. Vamos dar um tempo ao lado "negro" da história. Vamos falar de coisa boa. Vamos falar de nós, que temos uma história mais fofinha. Ah sim, estava contando sobre o momento em que chegamos ao ápice. Ou melhor: quase. Ué, não podemos querer mais? Lutamos tanto todos os dias! Não somos vagabundos para nos acomodarmos. Mas uma coisa sim nos incomoda: corrupção. Não entendemos muito bem porque falam tanto de direitos fundamentais, cotas, igualdade... Um mimimi do cacete. Povo reclama demais! Está tudo como devia estar. Inclusive essas empregadas já estão se achando demais! Agora têm a pachorra de não aceitar um emprego se o salário for baixo. Absurdo. Outro absurdo é a corrupção, como dissemos. Tudo, menos nosso dinheiro e nossa honra! Pagamos impostos! Lutamos por um país justo, onde possamos produzir mais e mais e mais e mais, explorar a natureza mais e mais e mais, e ganhar mais dinheiro, EM PAZ. Sem interferência de ninguém, nem do Estado, nem desses ativistas que não fazem nada da vida, muito menos desses ecochatos que ficam defendendo mato e índio. E gente, agora defendem até bandido e favelado. Precisa falar tanto da morte de uma pessoa? Não morrem uns quinhentos por dia nesse país? E o homem branco que morreu assaltado essa madrugada? Você viu? Poderia ter sido um de nós!!!!!!!!
Voltando no tempo: ALFORRIA!! - Ok, conseguiram o que queriam. Agora vazem daqui, seus preto fedido! - Mas pra onde eu vou, se não tenho dinheiro? Onde vou morar, o que vou comer? Poderiam nos dar um pedaço de terra para plantarmos? Meus avós e pais também eram escravos, não deixaram nada pra nós. Como vamos estudar, entrar na faculdade? Mal conseguimos nos alimentar. - Não pediram tanto por liberdade, então se virem! E pronto. Assim surgiram os primeiros moradores de rua. E os primeiros assaltos. E a violência aumentou. - Nossa, dizíamos nós brancos, mas que coisa horrorosa no meio do Rio de Janeiro esses pretos caídos na rua! E ainda assaltam a gente! Precisamos resolver isso. Pretos, subam pro morro!!! Se escondam e fiquem quietos. E assim se fez.
Bom, voltando a nós. Eu estava dizendo que nós queremos zero corrupção. Mas nós também queremos uma arma. Vocês já repararam como está a violência? Esses bandidos são perigosos! E pode ver, são tudo preto. Não pagam imposto e exigem direitos! Pior, usam nosso imposto pra sobreviver que nem reis na cadeia. Precisamos poder matá-los quando tentarem roubar nossos bens, quando tentarem entrar na nossa casa confortável e quentinha. Afinal, bandido bom é bandido morto. E também queremos que esse povo que enfeia as ruas, esses craquentos, sumam pra qualquer lugar que nós não sejamos obrigados a ver. Aproveitem e levem as bicha e as sapatão. Nós respeitamos essas perversões, façam o que quiserem, até temos amigos que são, mas precisa fazer na nossa frente?! Nós brancos somos trabalhadores honestos que pagamos nossos impostos. Vocês são mimizentos que defendem bandido. Em vez de reclamar, porque não fazem alguma coisa?
Minha resposta para você, companheiro de cor branca, é simples. Sabe quando falam de dívida histórica e você não entende nada? É disso que estão falando. Sabe quando falam de direitos iguais e você não faz ideia do que seja? É isso. Sabe quando falam de OPORTUNIDADES iguais e você não se dá conta? Pois é. Sabe quando uma multidão se revolta porque uma militante líder e representante negra morreu? Também vem daí. Essa morte é culpa da dominação branca e machista que ainda existe aqui. Os atos se repetem, percebe? As expressões se repetem, reparou? O preconceito é latente, está vivo, você alimenta ele T O D O S O S D I A S. O descaso pela vida dos negros não mudou. E com a execução de Marielle isso se escancarou. Por isso está acontecendo o que você chama de "comoção descabida". Entenda: não é apenas uma morte, é o que essa morte representa. A mesma voz que disse "Vazem daqui" essa semana gritou: "Mulherzinha preta sapatão, quem é você na ordem do dia? Não ouse nos desafiar, não desça do morro. Não fale, não denuncie, não lute. Sua cor nunca importou, seu gênero é fraco. Você não vê que eu sempre fiz o que quis com você? Cale-se agora, se não quiser morrer." E ela não se calou.
Eu não tenho direito de falar em nome de nenhum afro-descendente. Mas posso falar com você, porque eu sei o que nós vivemos. Você, companheiro branco, tem privilégios SIM. Você tem sorte! E nós nunca vamos chegar nem perto de sonhar o que é ser negro em um dos países mais racistas do mundo. Então, se você não quer se juntar a mim e ouvir o que eles têm a dizer, se não está disposto a compreender seu ódio pelo que fizemos, se não está disposto a abrir seu coração por quem passou TREZENTOS anos em condições desumanas, e que sofre consequências que não temos como mensurar até hoje, se não pode baixar a cabeça e aceitar que eles têm direito a sentir RANCOR, mas além disso, ESPERANÇA que nossos avós sentiram, então pelo menos não fale sobre o que não sabe. Se não sente empatia suficiente para entender que eles podem e querem ocupar os mesmos lugares que você já ocupa faz tempo, receber o salário que você recebe faz tempo, ser olhado com respeito como você sempre foi, não ser revistado ou seguido por seguranças num shopping como você nunca foi, estar nas mesmas universidades onde você estudou, então ao menos, por respeito, permaneça no mais absoluto SILÊNCIO.
#MARIELLEPRESENTE
Tantos, menos os africanos. Eles também embarcaram em navios e vieram ao Brasil. O sentimento, porém, não era de esperança, era de medo. Haviam sido vendidos para brancos donos de terras. Não eram mais seres humanos, tinham virado mercadorias. Por que começaram a ser tratados assim? O que tinham feito? Nada. Um pouco de melanina a mais, talvez, era o que os diferenciava. As histórias que os avós dos descendentes desses povos compartilharam com seus netos não foram bonitas e inspiradoras, mas de terror. Eles não queriam vir para cá, mas não tiveram escolha. Mercadorias não têm vontade própria. Por muitas vezes, nas longas travessias oceânicas, recusaram comida. Preferiam morrer de fome a enfrentar o que viria pela frente. Mas não havia essa opção. Eram obrigados também a isso. Como? Por meio de paus que empurravam o alimento garganta abaixo. Foi daí que surgiu a expressão "a dar com pau". Conhece?
Mas voltando a história dos nossos ancestrais. Muitos deles vieram para cá pois ouviram falar que o governo brasileiro estava distribuindo terras para quem tivesse interesse em desbravar regiões ainda inabitadas. Soma-se a isso o fato de muitos estarem fugindo da guerra. Esperança! E lá se foram, aqueles corajosos! Derrubaram árvores, foram picados por cobras, ficaram longe de suas famílias, conheceram a pobreza, a fome e a exaustão de um trabalho pesado e infindável. Foram semanas inteiras e fins de semana trabalhando debaixo de sol, e aos poucos conseguiam ir juntando uns trocadinhos para garantir o futuro dos filhos.
Essa historinha se assemelha um pouco à dos nossos irmãos africanos. Eles também derrubaram árvores, foram picados por cobras, ficaram longe de suas famílias, conheceram a pobreza, a fome e a exaustão de um trabalho pesado e infindável. Porém, se estivessem cansados e se recusassem a fazê-lo, apanhavam. Também emendaram fins de semana trabalhando. Sob cortes de chibatadas. Sob tortura. Com algemas e correntes. Amarrados a tronco. Aliás, sempre houve muita criatividade no desenvolvimento das armas dos senhores - brancos - para castigar e manter o controle sobre suas "mercadorias": cepo, vira-mundo, gargalheira, máscara. Pesquise esses nomes, você vai se surpreender. Se tiver coração é possível que chore. Muitos (mas MUITOS) morreram nesse processo, é claro. E também é evidente que ninguém se importava. O prejuízo seria do branco que pagou pela "mercadoria". Os que sobreviviam tinham que conviver com a humilhação de, após terem finalizado o trabalho debaixo de porrada, ouvirem que foi um serviço ruim. Ou, nos dias de hoje, "serviço de preto". Familiar? Se não conhece essa, talvez conheça a expressão "dia de branco", ou "dia de quem efetivamente trabalha".
Após várias gerações de luta, enfim, nós brancos conseguimos - não sem muito trabalho árduo e honesto - triunfar. Conquistamos o respeito de nossas comunidades, com quem compartilhamos nosso sucesso, com quem colaboramos e concordamos, pois nos protegemos, nos apoiamos, nos elegemos para cargos públicos que garantam a manutenção dos direitos que conquistamos. Somos respeitados em nossa igreja, onde vamos uma vez por semana para agradecer as bênçãos que recebemos. Nossos filhos estudam. Se forem desprovidos de inteligência, damos a melhor educação básica, fundamental e pré-vestibular: pegamos as vagas de educação superior gratuita. Se ainda assim não der, arrumamos um contatinho legal, pagamos pela vaga da faculdade. Se não for o caso, temos empresas e terras, podem ser patrões lá. Se não der também, podem pegar nosso dinheiro e abrir seus negócios. Vai ganhar dinheiro, filho, vai ganhar o mundo. Vai fazer intercâmbio, vai viajar, vai mostrar como você é bem apessoado e esperto pro meu amigo te contratar. Vai casar com uma pessoa da mesma religião e ascendência que a nossa. E, de preferência, de mesma classe social. Não vá se envolver com esse povo "pé na cozinha". Não fosse a doméstica - que de branca não tem nada - nos roubar e não limpar nossa casa direito, tudo estaria perfeito.
E no meio de toda essa alegria, nossas mulheres às vezes dizem, brincando: "não sou tuas nega!". Já ouviram? Pois é. Que sorte a delas. Porque "as nega" só eram chamadas assim por serem propriedade - de papel passado, como já mencionado - de homem branco. Usadas para satisfazer desejos sexuais. Estupradas. Quando eles bem entendessem. Mas só serviam para isso. Afinal, tinham "cabelo ruim", eram pretas, imagem "deNEGRIDA". Nunca, jamais, esses homens cogitariam se casar com elas. Chega a ser engraçado imaginar isso. A negra era "o pecado". Sua cor, a "cor do pecado", como repetimos até hoje. Vontade própria? Oi? MAS, finalmente, depois de TREZENTOS anos (não, não é força de expressão) de genocídio e barbárie, que quase ninguém se preocupou em registrar, e por isso pouco aparece nos livros de história, veio a alforria.
Calma, pausa. Vamos dar um tempo ao lado "negro" da história. Vamos falar de coisa boa. Vamos falar de nós, que temos uma história mais fofinha. Ah sim, estava contando sobre o momento em que chegamos ao ápice. Ou melhor: quase. Ué, não podemos querer mais? Lutamos tanto todos os dias! Não somos vagabundos para nos acomodarmos. Mas uma coisa sim nos incomoda: corrupção. Não entendemos muito bem porque falam tanto de direitos fundamentais, cotas, igualdade... Um mimimi do cacete. Povo reclama demais! Está tudo como devia estar. Inclusive essas empregadas já estão se achando demais! Agora têm a pachorra de não aceitar um emprego se o salário for baixo. Absurdo. Outro absurdo é a corrupção, como dissemos. Tudo, menos nosso dinheiro e nossa honra! Pagamos impostos! Lutamos por um país justo, onde possamos produzir mais e mais e mais e mais, explorar a natureza mais e mais e mais, e ganhar mais dinheiro, EM PAZ. Sem interferência de ninguém, nem do Estado, nem desses ativistas que não fazem nada da vida, muito menos desses ecochatos que ficam defendendo mato e índio. E gente, agora defendem até bandido e favelado. Precisa falar tanto da morte de uma pessoa? Não morrem uns quinhentos por dia nesse país? E o homem branco que morreu assaltado essa madrugada? Você viu? Poderia ter sido um de nós!!!!!!!!
Voltando no tempo: ALFORRIA!! - Ok, conseguiram o que queriam. Agora vazem daqui, seus preto fedido! - Mas pra onde eu vou, se não tenho dinheiro? Onde vou morar, o que vou comer? Poderiam nos dar um pedaço de terra para plantarmos? Meus avós e pais também eram escravos, não deixaram nada pra nós. Como vamos estudar, entrar na faculdade? Mal conseguimos nos alimentar. - Não pediram tanto por liberdade, então se virem! E pronto. Assim surgiram os primeiros moradores de rua. E os primeiros assaltos. E a violência aumentou. - Nossa, dizíamos nós brancos, mas que coisa horrorosa no meio do Rio de Janeiro esses pretos caídos na rua! E ainda assaltam a gente! Precisamos resolver isso. Pretos, subam pro morro!!! Se escondam e fiquem quietos. E assim se fez.
Bom, voltando a nós. Eu estava dizendo que nós queremos zero corrupção. Mas nós também queremos uma arma. Vocês já repararam como está a violência? Esses bandidos são perigosos! E pode ver, são tudo preto. Não pagam imposto e exigem direitos! Pior, usam nosso imposto pra sobreviver que nem reis na cadeia. Precisamos poder matá-los quando tentarem roubar nossos bens, quando tentarem entrar na nossa casa confortável e quentinha. Afinal, bandido bom é bandido morto. E também queremos que esse povo que enfeia as ruas, esses craquentos, sumam pra qualquer lugar que nós não sejamos obrigados a ver. Aproveitem e levem as bicha e as sapatão. Nós respeitamos essas perversões, façam o que quiserem, até temos amigos que são, mas precisa fazer na nossa frente?! Nós brancos somos trabalhadores honestos que pagamos nossos impostos. Vocês são mimizentos que defendem bandido. Em vez de reclamar, porque não fazem alguma coisa?
Minha resposta para você, companheiro de cor branca, é simples. Sabe quando falam de dívida histórica e você não entende nada? É disso que estão falando. Sabe quando falam de direitos iguais e você não faz ideia do que seja? É isso. Sabe quando falam de OPORTUNIDADES iguais e você não se dá conta? Pois é. Sabe quando uma multidão se revolta porque uma militante líder e representante negra morreu? Também vem daí. Essa morte é culpa da dominação branca e machista que ainda existe aqui. Os atos se repetem, percebe? As expressões se repetem, reparou? O preconceito é latente, está vivo, você alimenta ele T O D O S O S D I A S. O descaso pela vida dos negros não mudou. E com a execução de Marielle isso se escancarou. Por isso está acontecendo o que você chama de "comoção descabida". Entenda: não é apenas uma morte, é o que essa morte representa. A mesma voz que disse "Vazem daqui" essa semana gritou: "Mulherzinha preta sapatão, quem é você na ordem do dia? Não ouse nos desafiar, não desça do morro. Não fale, não denuncie, não lute. Sua cor nunca importou, seu gênero é fraco. Você não vê que eu sempre fiz o que quis com você? Cale-se agora, se não quiser morrer." E ela não se calou.
Eu não tenho direito de falar em nome de nenhum afro-descendente. Mas posso falar com você, porque eu sei o que nós vivemos. Você, companheiro branco, tem privilégios SIM. Você tem sorte! E nós nunca vamos chegar nem perto de sonhar o que é ser negro em um dos países mais racistas do mundo. Então, se você não quer se juntar a mim e ouvir o que eles têm a dizer, se não está disposto a compreender seu ódio pelo que fizemos, se não está disposto a abrir seu coração por quem passou TREZENTOS anos em condições desumanas, e que sofre consequências que não temos como mensurar até hoje, se não pode baixar a cabeça e aceitar que eles têm direito a sentir RANCOR, mas além disso, ESPERANÇA que nossos avós sentiram, então pelo menos não fale sobre o que não sabe. Se não sente empatia suficiente para entender que eles podem e querem ocupar os mesmos lugares que você já ocupa faz tempo, receber o salário que você recebe faz tempo, ser olhado com respeito como você sempre foi, não ser revistado ou seguido por seguranças num shopping como você nunca foi, estar nas mesmas universidades onde você estudou, então ao menos, por respeito, permaneça no mais absoluto SILÊNCIO.
#MARIELLEPRESENTE
quinta-feira, 20 de julho de 2017
A quantos adeus ele resiste?
O “Adeus” de Teresa
A vez primeira que eu fitei Teresa,
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
“Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala
E ela, corando, murmurou-me: “adeus.”
Uma noite entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”
Passaram tempos sec’los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
…Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – “Voltarei! descansa!...”
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”
Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”
Castro Alves
sexta-feira, 30 de junho de 2017
Terapia
Sempre fui apaixonada por poesia. Desde que me entendo por gente mesmo. Mal sabia pronunciar palavras, já queria atenção para recitar "Batatinha quando nasce", daquele jeitinho errado, adaptado para as crianças.
Existem muitas fontes que dão diferentes versões sobre esses versos. Uma, em particular, me pareceu bastante verossímil e explica que a poesia original foi escrita em alusão aos assédios de patrões sobre mucamas na época da escravidão. Segundo a fonte, ela foi registrada em 1885 por Silvio Romero, conforme segue:
Batatinha quando nasce
Deita rama pelo chão
Mulatinha quando deita
Bota a mão no coração
Completamente alheia a tudo isso, a poesia era então, para mim, sinônimo de alegria, amor e momentos em família. De certa forma, ela era segurança e empoderamento.
Existem muitas fontes que dão diferentes versões sobre esses versos. Uma, em particular, me pareceu bastante verossímil e explica que a poesia original foi escrita em alusão aos assédios de patrões sobre mucamas na época da escravidão. Segundo a fonte, ela foi registrada em 1885 por Silvio Romero, conforme segue:
Batatinha quando nasce
Deita rama pelo chão
Mulatinha quando deita
Bota a mão no coração
Completamente alheia a tudo isso, a poesia era então, para mim, sinônimo de alegria, amor e momentos em família. De certa forma, ela era segurança e empoderamento.
Veio então a adolescência e toda sua intensidade. Ansiedade, confusão, pensamentos e sentimentos demais a serem administrados por uma pessoa que se debatia bastante para entender o mundo. Nessa época comprei um caderno daqueles grandes de espiral e fui depositando nele as poesias que fui descobrindo. Algumas foram encontradas e inseridas por amigas, outras por mim, e assim fui colecionando.
Eu vivia para cima e para baixo com aquele caderno. Tenho uma lembrança clara de estar com o trambolhinho num dos vários almoços semanais na casa da minha nona e, vez ou outra, fugir para ler uma coisinha ou outra que me trouxesse paz. Novamente a poesia me fazia sentir empoderada. Naquelas páginas eu encontrava junções de palavras cadentes que soavam como música, compreensão e empatia. O consolo que eu precisava para a forma intensa com que vivia tudo.
Algumas poesias eu li tantas vezes que decorei. E até hoje, dependendo da situação, como numa sessão de auto terapia, lembro das mais lidas e as recito mentalmente até o fim. Como essa aqui:
Algumas poesias eu li tantas vezes que decorei. E até hoje, dependendo da situação, como numa sessão de auto terapia, lembro das mais lidas e as recito mentalmente até o fim. Como essa aqui:
Ah, tormento que eu não posso confessar...
O que eu escrevo é a verdade, eu não minto,
eu declaro tudo aquilo que sinto,
e é a outra que teus lábios vão beijar...
Sei que quanto mais verdade tem no escrito,
mais distante eu te ponho dos meus braços,
pois desenho o paralelo de dois traços
que na certa vão perder-se no infinito...
Estes versos feitos pra te emocionar
Justificam todo o amor que tens por ela
e as carícias que esses dois amantes trocam.
E eu te excito, sem que venhas a notar
que esses lábios que tu beijas são os dela,
mas são minhas as palavras que te tocam.
Pedro Bandeira
segunda-feira, 26 de junho de 2017
Quem Me Leva os Meus Fantasmas
De que serve ter o mapa se o fim está traçado
De que serve a terra à vista se o barco está parado
De que serve ter a chave se a porta está aberta
De que servem as palavras se a casa está deserta
sábado, 3 de junho de 2017
Tempo
Um átimo bastou pra conceber
O beijo amanhecido no cerrado
Braços pintados, ansiosos, a tremer
Me envolveram o coração já conquistado.
A magia então por verbo se desfez
E a inconstância condenou a desgarrado
Se por vias de mistério o amor se fez
Pelas cordas da distância foi atado.
Tempo instável, tempo vil, discricionário
Que quando ela está longe me consome lento
Que quando pousa em meu abraço é vento
Pare um pouco - ela chegou, silêncio:
Se amar é um ato revolucionário
Dê uma brecha pr'eu lutar por esse alento.
O beijo amanhecido no cerrado
Braços pintados, ansiosos, a tremer
Me envolveram o coração já conquistado.
A magia então por verbo se desfez
E a inconstância condenou a desgarrado
Se por vias de mistério o amor se fez
Pelas cordas da distância foi atado.
Tempo instável, tempo vil, discricionário
Que quando ela está longe me consome lento
Que quando pousa em meu abraço é vento
Pare um pouco - ela chegou, silêncio:
Se amar é um ato revolucionário
Dê uma brecha pr'eu lutar por esse alento.
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