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sábado, 15 de fevereiro de 2020

Você

Só podia ser você
Minha onda de cor
Amor e sons
Minha respiração
Numa nota
De olhar quinado
Cabelos jogados
Quebrando as vidraças
Arrastando as tão
teimosas dores
do meu coração.

Você,
Saudade pra qual pedi licença
Sorriso abraçante
Violão cantante
Olhar.
No escuro
luz
Toque
Corpo
Meu tão idealizado
Lar.

Você,
Atemporal
Onipresente
Persistente
Latente
Nas minhas veias
Nas minhas fotos da geladeira
No capricho da mesa
Na poesia em bilhete
Nas vidas que ainda vêm
Nos búzios
Na sabedoria dos Orixás
No mar.

Você,
Meu encaixe
Nuca, mãos
O beijo que prova tudo
Paciência
A partida que eu doí
Que, cega
Vi voltar
A dor que eu nem sei onde vai me levar.

Você,
O lugar onde eu queria ficar
Depois que a tempestade passar.
A razão na minha paixão
Meu amor racional
Minhas lágrimas
de alegria e dor
Farol
Medo de ser feliz
Âmago da dor desse meu medo de ser feliz
E, de repente
minha força.

Vem?
Que tem disco
Jack
Dengo
Décadas
Espremidas em anos
A tarde vai cair lilás
E será sempre um começo.

Sou o sentido que o amor não tem
nesse dia-a-dia desprovido da alma
que a minha implora
Do oceano que guarda num espaço tão 
humano
O tempo de vida da energia que eu carrego
O amor que essa criança aprendeu a dividir

Um vulcão
e as flores que de suas rochas nasceram
milhões de anos depois do dia
em que pela primeira vez a lava do meu peito tocou 

Você.

Agora lute

Tão acostumada a se apaixonar, ela
Que nem viu seu amor chegar

Entregue ao privilégio da paz
Serenamente assistiu o amor partir

Agora ela conta os dias
As horas do passado que jaz

Aprendeu que a solidão é luz
Sol que ofusca e arde o olhar

Arranca o coração do peito
Mas faz a gente enxergar.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Refúgio semântico

Eu só quero um verso simples
Pra dormir melhor essa noite
Um trecho que me abrace
Nessa cama de silêncio

Não peço tanto
Só o alívio das palavras certas
Da cadência embalante
Da força que revira o coração

Se der, esquecer um tico esse amor
A água que jorra engatilhada
Escrava do perfume dos cabelos
Brasa mal domada, mira do fuzil

Um hiato basta
A beleza de uma breve distração
Um refúgio semântico inesperado
Pra adormecer meu corpo febril

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Mulher

Me veio em tentação, latente
Insistente
E briguei com meu velho Deus.
Rasguei as páginas do testamento
Que te condenavam
E chorei, mulher.

Mas era tu, não tinha escolha.
Lá dentro a vida transcendia
Por fora me agredia, e eu te perdia
Então parti.
Nada nas mãos, exceto as tuas.

Beijamos até não ter mais fim
E suamos de medo, naquelas ruas
Apertamos mais forte os dedos
“Nunca, nunca soltar
Depois do primeiro enfrentamento”
Você sorriu pra mim.

Seu riso, o rasgo bom no meu peito
Refúgio da solidão, da dor, do medo
Luta, entre as tuas pernas, morte em teu olhar
E a entrega da cruz a quem pertence
Deixemos-lhes suar

Pois somos duas, só, amor
Duas, nós, mais ninguém.
E nesse universo, que é dentro e fora
Me tens
E sou
irremediavelmente tua
Mulher.






quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Coração

Existe um laço entre a sua respiração e a minha, amor. De um portal que a coordenação dos nossos movimentos rompeu. Que me leva pros teus braços enquanto esperamos a volta sem fuga. E quanto mais forte eu respiro, mais sem ar fico. Embriagada. Sentindo.

Há mil discos entre o seu ouvido e o meu. Acordes e palavras decoradas entre as ondas que te cercam e te trazem, tão bonitas, até mim. Para cada nota, um desejo. Uma dor, uma alegria e um segredo.

Tem um borrão entre os meus olhos e os teus. As profundezas de dois corações aflitos. Donde jorra água cristalina e espessa. É uma paisagem - um mato, com cheiro de mato. Uma nascente amarela, brisa leve. Voam borboletas azuis.

Há, em nossos hiatos, um poço. A ânsia do novo encontro. A procura continua da hora para começar a ser feliz. Para sentir a chuva em nossos corpos, no fim do infindo intervalo. Para chegar, enfim, ao toque. Rindo. Línguas e dentes e a sede de todo o sal do mar. Dormir.

O universo reside entre o meu sorriso e o teu. Ele está num caminho florido e sinuoso. Na Bahia. Numa poesia, na xícara de café, no beijo. Está no ponto e seu dragão. E quanto mais se expande, tanto mais oprime. Quanto mais aperta, mais exige. Tudo vira brincadeira. E, tamanha verdade é, resiste. 

No oceano onde mergulham minhas mãos e as suas, faço-me nua. Deixo-me, tua. E nesse espaço entre a minha vida e a sua, tão perto quanto olhar para o lado, tão longe quanto um condenado, preso; respiro. Sinto. Me enfio em seus cabelos, beijo a sua mão. Suspiro...


Nada é pra já. Paradoxo temporal entre o meu presente e o seu. Um céu pixelado. Um devaneio. Eterno flerte.


terça-feira, 9 de abril de 2019

80 tiros

- Ah, como eu amo ser livre.
Comemorei, sozinha, abrindo uma garrafa de vinho e catando a primeira porcaria que vi pela frente. 

Lembrei dos "por que não?" repetia durante a infância e a adolescência. A angústia de querer desbravar o mundo e não poder. 
- A liberdade é mesmo uma bênção.

Liberdade: nível de independência absoluto e legal de um indivíduo, de uma cultura, povo ou nação.

Eu me considero livre. Caminho pelas ruas, trabalho, abro meu vinho, como minha porcaria, saio, converso, faço compras, viajo. Sou autorizada a viver.

Posso raspar meu cabelo, se quiser? Posso, desde que arque com a consequência de ser taxada.

Posso decidir não depilar? Posso, desde que arque com a consequência de não ser desejada.

Posso usar uma saia curta e ir a um ambiente predominantemente masculino? Posso, desde que arque com a consequência de ser abusada.

É. Talvez eu seja livre, até onde outro ser humano me deixar.

Posso me formar, se quiser? Posso, ainda que não passe em uma universidade pública.

Posso trabalhar, se quiser? Posso, e me alegra. Não foi minha obrigação desde criança.

Posso não ter filhos, se quiser? Sim. E também os posso ter, se assim entender. Sem medo de entrar no SUS e, sem minha autorização, sair estéril.

É. Talvez eu seja livre, muito mais do que outras mulheres.

Posso ir a uma entrevista de emprego sem que passe pela minha cabeça que seria melhor alisar meus cabelos? Posso.

Posso entrar em um supermercado sem ser seguida pelos olhos de seguranças desconfiados? Também.

Posso sair com a minha família para um chá de bebê sem ser fuzilada com 80 tiros por engano?

A liberdade não é uma bênção. Nem um merecimento. A liberdade é o pouco ou muito que se conquistou ou sempre se teve ao longo o tempo, a depender de quem é você na sociedade.

Quantos anos tem cada um de nós perante esse poder? Até onde vai a liberdade de cada ser humano? Até onde, a cada um de nós, é permitido viver? O que vamos fazer com isso?

Que Bakunin esteja certo, para que, quanto mais profunda e maior a dor dos que nos rodeiam, tanto maior seja a nossa. 

Porque "ser livre não é apenas se livrar das correntes que lhe prendem, mas viver sendo capaz de respeitar e engrandecer a liberdade dos outros."


quarta-feira, 3 de abril de 2019

Te amar

Menina, não congele diante de mim
Me dá teu sorriso, tua calma
Respira
Pra eu sentir o cheiro dos teus pulmões
Brotar uma árvore em meu tronco
Te morder os lábios
Te dar minhas lágrimas
Escondê-las de ti
Te amar.

Menina, não se culpe tanto
Me dá tua distância, tua calma
Te livra
Pra eu sentir que você está tranquila
Botar um manto em meu sentimento
Te deixar leve
Te dar meu respeito
Esconder-me de ti
Te amar.

Menina, não ligue a saudade
Eu to no futuro, tua calma falta
Acredita
Pra eu sentir de novo o ar da vida
Montar acampamento em sua casa
Te olhar nos olhos
Te dar meu presente
Entregar-me a ti (finalmente)
Te amar.


Falta

O que no peito sobressalta a poesia
É o fio de vida do olhar de quem se ama
Que, ao ser regado pela angústia da partida,
Transborda aos dedos e em caneta vira chama.

Arde e precipita a vertigem do precipício
cansa, a distância, o não alcance, a noite insone.
Não há migalhas, olhares de um segundo
Que matem de um mundo inteiro a fome.

É a poesia que reanima o banido.
Se também o prende, que assim seja,
Seu olhar me atira ao chão, me mata e

se nas páginas não lidas confino meu amor,
também são elas a acolher a transcendência
que em carne nos meus braços - paraíso - vira dor.



sexta-feira, 29 de junho de 2018

Cortejo sob a lua


Na beleza devassa da tua pele clara 
Se entrega meu olhar
Ardido em chamas a escoltar curvas
Profanas.

Esquecido no embaraço dos lençóis 
Afagados pela lua acinzentada
Que atormenta impetuosa a madrugada 
E esquenta nosso amor antigo.

Para relembrar, na crista do momento
Esse encontro de almas pueril.
Para germinar, em toda intempérie
Um novo aprendizado.

E serenar por fim o ardor carmim
Trazer de volta ao peito a paz
De estar em seus braços e sonhar
Sem fim.



quinta-feira, 29 de março de 2018

Poesia

A poesia é viva.
Uma segunda que amanhece cinza
Inerte e fraca, presa ao pé cama
Que emerge forte ao entardecer em chamas.

A poesia muda.
Expressão jovem na idade adulta
Necessidade de encostar os dedos
Distância quieta cheia de segredos.

Há nas palavras uma fase breve
Intermitente, lúcida, eloquente
Escancarando a vida do presente.

Porém no tempo, quando elas se perdem
Lembrando a existência antes recorrente
São só saudade no meu peito sucumbente.