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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O albergue

Curitiba, 16.11.2008

O passante ruído musical que se fazia ouvir alto da rua às margens da meia noite, embalado pelas gargalhadas dos que não precisam se preocupar com o despertador no dia seguinte, não deixavam dúvidas de que o fim de semana chegara. Telefonemas e mensagens de texto davam vida ao aparelho de celular jogado à cama, que vibrava ao som das músicas selecionadas para acusar os que lhe procurassem.

Economizando ao máximo as palavras, ainda que delicadas, a dona do telefone ia, um a um, recusando os convites que chegavam. Entretanto, não sendo eles isolados, tampouco descartáveis, terminou por ceder, e escolheu uma roupa bonita.

Vestiu-se. Passou pela cozinha, passou pelos detalhes dos chamados no telefone, avaliou - desinteressada - os prós e os contras. "Peixe assado e camarões não é de todo mal." Balançada, mas não vencida, deu outras voltas pela casa, e finalmente retirou uma bandeja de coxinhas congeladas do freezer.

Outras ligações ainda interromperam a ceia simples e improvisada em frente à televisão, e foi após o cigarro digestivo que ela decidiu que a únicas companhias que desejava naquela noite eram as de seus moradores internos.

Vestiu o pijama e fechou a porta do quarto frio. Entrou nele e no albergue.

A síndica do local, conhecida como Consciência, sensível aos sinais da proprietária, convocaria a todos para uma reunião de emergência. Era hora de discutir o andamento das questões internas para o bem-estar do corpo e para a boa convivência ali dentro.

Iniciando a conversa, Consciência não economizou em acusações, tratando de forma incisiva o problema núcleo que assolava os moradores no momento: o desentendimento nas questões afetivas.

Seu alvo principal foi a Alma. Chamou-a de medrosa, fraca e perdedora. E ela quis sentir-se triste. Era covarde, de fato, e automaticamente passou a procurar exemplos que justificassem a razão da Consciência. Encontrou.

Lembrou-se de ápices em que a síndica lhe orientara: “Vai, menina, vai! Parte ao encontro dessas mentes ricas que te querem perto. Isso lhe fará crescer.”, e em que a Alma debilmente insistira no não. “Não sou familiar a elas. Irão me desprezar quando passarem a me conhecer de verdade. E eu preciso me sentir bem.” E seguiram desta forma seus pensamentos. Veio-lhe à mente a noite anterior, o ciúme doentio e o dia em que deixou seu amor em prantos e partiu. Entendeu os motivos da “fuga”. Perplexa, percebeu seu medo. Medo de fracassar.

Diferente do que podemos imaginar, a Consciência se revirava de angústia na medida em que a Alma assumia seus erros. Era a prova de que ela própria era, na verdade, uma impostora. Idealista, arrogante, julgava e martelava os mais ínfimos defeitos do próximo, aguardando, do alto de sua falsa superioridade, o dia em que pudesse livrar-se deles.

A Alma sentiu-se perdida. Era ingênua e pura, acreditara na síndica, sempre tão segura de si. Mas o abismo da insegurança de repente lhe engolia. As profecias tão iluminadas, tão defendidas pela Consciência, derretiam-se.
Escurecia. Nostalgia.

Eis que uma terceira moradora do albergue, de comportamento carente e sentimental, já atingida pela tristeza da Alma, se aproxima do Orgulho, buscando um mimo. Mas ele não queria deixar transparecer seus desejos e a repudiou imediatamente. Desolada, buscou no criado mudo o aparelho celular, tão inútil até então naquela noite. Nele havia marcas de momentos estranhos. Felizes e tristes, próximos e distantes. Havia também o carinho de que ela tanto necessitava.

A Alma viu a cena e então se acalmou. A Consciência também silenciou, num raro instante de emoção. A Carência derreteu-se... E o Orgulho armou-se.

Todavia, a paz (de certa forma tensa) durou pouco. Foi quebrada quando outro morador inesperadamente tomou o celular das mãos da vizinha e iniciou a ligação proibida! Logo a síndica gritou que aquele ato não era permitido dentro das limitações da hospedaria. A situação, entretanto, divertia o Id, que a provocara, e ele ria, realizado por sua iniciativa tão sincera.

Finalmente o Superego chegou e conseguiu retirar o aparelho das mãos do menino bobo e interrompeu a possibilidade de... Bom, isso não se sabe. O que se sabe é apenas o que os moradores acreditam.

A Alma pensa que seria desprezada. A Consciência que, quando solicitada, agiria de forma fria; defenderia o coração com as armas que tivesse disponíveis, como de costume. Para o Superego bastava o fato de ter cumprido seu papel. A Carência, coitada, via naquilo uma esperança... mas sentia muito medo de não ser correspondida. O Orgulho relaxava satisfeito, afinal os sentimentos do albergue não seriam expostos. E o Id ensurdecia os ouvidos dos outros. Gritava aos quatro cantos que amavam aquela pessoa, que sabiam que não conseguiriam viver sem ela, que aquele lugar era uma zona, que tudo estava errado, que longe dela, que não havia, que vida mesmo, que era com ela, que aquela boca, aqueles cabelos, aquele sorriso, tinham que ser deles, que tinha de ser agora, que tinha de ser para sempre.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Qual é o momento de "deixar ir"?

Se é mesmo verdade o que nos contam os roteiristas dos filmes de amor e os poetas, cada um de nós terá um grande amor. E esse amor será eterno.
Meu medo é o de não perceber meu grande amor. Deixá-lo ir sem ter lutado o suficiente, achando que outro ainda virá.
Ou, ao contrário, entregar o papel à pessoa errada, me agarrar à ela, e não perceber que, na verdade, meu grande amor está passando logo ao lado. E indo embora, sem mim.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Expectativas

Ai desses corações que exigem tanto
Pois hão de ter menos que pretendem

Se há uma lição que ensina o tempo
Esta há de ser a da verdade
De que expectativas servem nada mais que de consolo
Aos olhos e mentes - e o peito - que tanta sede
Têm de achar o que lhes compraz

Mas de tudo o que resta é a ilusão
A fé que aos poucos vira cinza
E da cinza, muitas vezes, vem a raiva
Criada pelos olhos e a mente - e também o coração.
Pois de tudo o que tinham planejado, restar-lhes-á, apenas,
A dura e crua, talvez doce, realidade.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Sobre o sexo

Não é uma questão de dar. É bem mais complexo que isso.
Nada a ver com virgindade, relação de poder, comparação de status; nada com imagem ou seja lá o que mais se passa na cabecinha das pessoas.
Sexo é - ou pelo menos deve ser, de acordo com a minha humilde e dispensável opinião - um encontro de você consigo mesmo. Id com Ego.
Se vai ser uma conversa franca, uma troca de acusações ou uma relação de paz, alegria e tranquilidade, quem vai definir são (i) o sentimento que você tem pela pessoa com quem está; (ii) a tentativa (ou não) de aproximação da atitude consumada pelos personagens com os princípios que traçam o seu caráter. Ninguém mais tem nada que opinar.
O ato sexual - e aí cabe a cada um demarcar o significado do termo para si - não existe para ser alvo de comentários e julgamentos alheios ao casal (e variações). Os seres humanos, mesmo que muitas vezes não se utilizem dele, possuem o dom de reconhecer e, a partir daí, satisfazer suas necessidades físicas, psicológicas e afetivas.
Qual é o problema da humanidade no que diz respeito à "satisfação de vontades"? E ainda, realizar os desejos de outra pessoa também?! Contanto que não traga prejuízos diretos aos semelhantes (afinal todas as pessoas são iguais em importância), é propagação de paz e amor, apenas. Tá, que seja sacanagem, mas continua sendo paz. E ainda assim os olhos do preconceito, totalmente hipócritas (típico) fingem não ser tão perversos (talvez sejam piores) quanto os pagãos. E dá-lhe pedrada.
Mas voltando aos caprichos. É importante ressaltar, mais uma vez, que não circulo aqui apenas aqueles que se manifestam através do corpo e sim, da mesma forma, os da alma. Anseios e dúvidas que, quando trabalhado com ponderação, o sexo dissolve. A intimidade crua que ele proporciona define as relações. Seja para bem, seja para mal, seja para a continuação. Conhecer a si mesmo, conhecer a realidade que lhe cerca; eis o resumo do progresso.
E sempre haverão os céticos, os realistas e os conservadores a tentar privar-nos da beleza que é viver a vida em partes, em dias!, e não como um todo.
Deixar de agir hoje por medo do que acontecerá amanhã é característica de quem tem experiência de vida. (In)felizmente eu sou apenas mais uma que não sabe nada da vida. E sabe que me conforta saber que, quando eu souber alguma coisa, ainda assim não esquecerei da intensidade em que vivi na ignorância? E se o resultado disso é para mim, e mais ninguém, então que seja a mim, e a mais ninguém, que eu convença.
Cada indivíduo tem na manga a carta de ser o único a poder ver sua vida como um todo, enquanto os outros vêem apenas atitudes isoladas. Poucos, no entanto, usam-na.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Annie Hall

"I would never want to belong to any club that would have someone like me for a member."

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Nozes

Tenho observado com cautela o comportamento das pessoas e suas atitudes na vida em sociedade. E seja no ambiente corporativo, familiar, político, social, enfim, qualquer que seja o meio no qual estejam inseridas, preocupa-me a instabilidade, a ausência de propósitos, a fragilidade das personalidades, ante questões diversas que lhes são impostas.
As pessoas parecem tomadas por um senso de urgência, um imediatismo subserviente, através dos quais manifestam-se em defesa de interesses de curto prazo, pontuados isoladamente e localmente, como se estivessem desconectadas do organismo social.
Políticos fazem alianças historicamente incongruentes em troca de alguns minutos adicionais no horário eleitoral gratuito, independentemente da dissonância ideológica e pragmática futura em caso de êxito no pleito. Profissionais travam um verdadeiro jogo de xadrez em suas companhias prejudicando o colega da mesa ao lado em lances ardilosos engendrados nos corredores e nas pausas para o café, em busca de uma notoriedade que pretensamente lhes venha conferir uma maior remuneração. Amigos cultivados ao decorrer de anos capitulam nos momentos mais críticos, negligenciando ajuda e apoio. Familiares desagregam-se ao primeiro sinal de dificuldade econômica. Pais apregoam a ética a seus filhos, enquanto ultrapassam veículos pelo acostamento no final de semana, tendo-os por testemunhas.
Há uma inversão recorrente dos valores, da ética, da moral, do caráter. As pessoas deixam de ser o que sempre foram e passam a estar o que lhes convém.

COELHO, Tom. Comportamento Humano. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/comportamento_colunas_2003_setembro4.htm>. Acesso em: 11 dez. 2008.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Saber poético

No dia em que você enxergar beleza e principalmente vida nas coisas mais simples e inertes. Neste dia você vai saber fazer poesia, disse ela.

Evento Social

Abriu os olhos ainda sonolentos, tomou um rápido banho frio e pôs-se a olhar no espelho. Seu rosto mostrava traços de felicidade, confusão e ansiedade, mas a boca mantinha guardados os motivos. Soltava frases tolas e impacientes - talvez ríspidas -; era o que tinha para hoje. E para ontem. E para amanhã também.
Acompanhada pela quadrilha, chegou, armada quase até os dentes (na verdade esquecera uma parte da munição em casa, o que lhe rendeu a desaprovação geral das companheiras) ao destino final. Passaram todas sem maiores complicações pela ingênua (ou seria indiferente?) segurança que revistava os "privilegiados" que entravam, e depois iniciaram, de forma lenta, o ritual.
A divisão de classes na parte interna era clara. Os donos do espaço haviam reformado a casa para adaptar-se aos caprichos de seus clientes e o que antes era uma extensão comum havia se transformado num labirinto. Se o número de pessoas não fosse suficiente para atravancar a passagem, havia os ferros, demarcando a superfície destinada a cada grupo.
O tamanho do cercado variava de acordo com o poder aquisitivo do ajuntamento. Mais importante, entretanto, que as dimensões do redil (que até podiam ser pequenas, fosse também o número de pessoas - animais? - a serem "guardadas") era ter uma garrafa de Grey Goose sobre a mesa.
O ponto de abstração crítica terminou sendo, como não raras as vezes, a música. Era alta e bem expressada... tão bonita e entusiasmante que aqueles seres humanos chegaram a parecer amigáveis. Pareciam felizes.
Mais sorrisos. O rosto agora mostrava traços de felicidade, confusão e ansiedade, mas a boca mantinha vivo o espírito da tranquilidade e da paz. Tudo era engraçado. Até a arrogância da loira abrindo caminho para chegar ao seu camarote VIP. Pulso quebrado e ar de Lady Di, olhando por cima dos ombros. Engraçado. Não sei se por causa da música ou pelo fato de ela ter dado de cara com os ferros do cercadinho na altura do quadril: "aiii, aqui não passa!!!".
A missão da quadrilha, que acabou não sendo mencionada no texto, incluía extermínio de pequenos animais (verdes) e choque mental social. Bom, apesar de alguns contratempos como dificuldade de comunicação/expressão, desconfiança e perturbação, ambas foram concluídas com êxito. E diversão.
O fim da noite contou com videogame... desenhos. Enfim. Um a um, morreram todos os soldados caricaturados. Os mais resistentes - estranhos, bizarros, curiosos - já não se entendiam. Haviam se mantido bem, isso é fato, mas lhes restava pouco. Pouco tempo, pouca energia, pouca razão. Dormir, dormir. Vermelho. Em Brasília, 19 horas. Pensou... pensou... pensou...
E fechou os olhos.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Não tem crise

Do diretor de criação de uma agência, sobre a crise mundial.

"Vou fazer um slideshow para você. Está preparado?
É comum, você já viu essas imagens antes.
Quem sabe até já se acostumou com elas.
Começa com aquelas crianças famintas da África.
Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.
Aquelas com moscas nos olhos.

Os slides se sucedem.
Êxodos de populações inteiras.

Gente faminta.

Gente pobre.

Gente sem futuro.

Durante décadas, vimos essas imagens.

No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.

São imagens de miséria que comovem.

São imagens que criam plataformas de governo.
Criam ONGs.
Criam entidades.
Criam movimentos sociais.
A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá, sensibiliza.
Ano após ano, discutiu-se o que fazer.
Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.
Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver problema da fome no mundo.
Resolver, capisce?
Extinguir.
Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta.
Não sei como calcularam este número.
Mas digamos que esteja subestimado.
Digamos que seja o dobro.
Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.
Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse.
Não houve documentário, ONG, lobby ou pressão que resolvesse.
Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia."